quarta-feira, 8 de março de 2017

A primeira viagem sozinha: Atenas 2004

Eu aos 17 anos, recém lesionada, com a amiga Ziza
Até os 17 anos eu andava, e já tinha me aventurado em viagens. Competições na ginástica artística, com a banda do colégio em que dançava e por turismo. Mas ao ficar cadeirante após um sangramento espontâneo na medula, minha vida deu “pause”. Não tinha ideia do que uma pessoa com tetraplegia, sem andar, e ainda mais, sem mover os dedos das mãos, podia fazer. Eu era quase um bebê de novo. E as viagens ou passeios independentes também esperaram uma reabilitação para voltarem a acontecer. O que demorou alguns anos. 

Vida vai, vida vem, aos 22 anos fui vice-campeã parapan-americana de tênis de mesa. O que me deu uma vontade louca de ir a Atenas, na Grécia, ver a Paralimpíada de 2004. Eu tinha medo de ir à outra cidade sem alguém da família. Mas ir para Atenas em outro continente, eu tinha coragem. Louca, né? É. Pior, ou, melhor, que fui mesmo! E me lasquei muuuito. kkkk Mas também aprendi muuuitas lições de independência, pra vida. Vou contar meus perrengues de principiante mais embaixo.

Pártenon na Acrópole - haviam acabado de inaugurar elevador
Reabilitação especial para a primeira viagem

Fisicamente sou uma tetra dependente. Minha lesão foi cervical, no nível C5/C6. Preciso de uma ajudante, que chamo de cuidadora, para minhas atividades diárias. Isso quer dizer que tenho que levar a cuidadora para viagens. Na época de Atenas, eu precisava de DUAS cuidadoras! Ok, uma era minha mãe. Só que ela não estava no meu projeto de independência rumo a Atenas. Hehe... e pagar para duas ajudantes estava fora de cogitação. A solução foi aprender a me virar com apenas uma pessoa. Solicitei reabilitação especial no Hospital Sarah Lago Norte de Brasília. Na época, a instituição fazia uns atendimentos diferenciados na unidade. Eu e a fisioterapeuta Yara ralamos um bocado para diminuir minha dependência. E... sucesso! Segue o que aprendi:

1-   Transferir para a cama e para a cadeira de rodas.
Eu era carregada por duas pessoas. Aprendi a transferir com mínima ajuda de apenas uma pessoa. Usamos uma a tábua de transferência. Só é possível deslisar na tábua com bermudas ou calças.
2    2- Transferir para a cadeira de rodas de banho.
Cestinha de transferência
Você fica sem o couro se tentar deslizar na tábua sem roupas. Hihi... Impossível! No Hospital Sarah, eu e a terapeuta Yara desenvolvemos uma cestinha de transferência que uso até hoje. As vezes passo sem, confesso. To me sentindo!
      3-   Cateterismo (xixi de cadeirante) na cadeira de rodas.
Pasmem! Eu só fazia xixi deitada em maca. Imaginem o problema que ia ser eu achar uma maca toda vez que eu precisasse ir ao banheiro? Não dava! Cadeirantes com lesão similar à minha fazem o "cate". Bom, o fato é que, na época, só ensinavam as meninas paraplégicas (ou seja, que mexem as mãos normalmente) a fazer o cate sentada na cadeira. Aí, foram as próprias meninas internadas que me deram altas dicas. As enfermeiras ajudaram e pronto. Eu e minha cuidadora ficamos expert. Hoje faço outro esquema, que vai ser tema de post futuro, claro, se você que estiver lendo estiver gostando disso aqui (manifeste-se). ;-). Com isso, aprendi a usar qualquer banheiro que coubesse cadeira de rodas.

Perrengues de principiante

Eu e a minha cuidadora Nete magreeela hihi
Cheguei na Grécia toda, toda. Mas deu tudo errado. Meu planejamento foi por água abaixo:
Minhas malas extraviaram com todos meus remédios, materiais de "cate" e cadeira de rodas de banho. A escola em que ficaria hospedada tinha um elevador que não cabia minha cadeira. O quarto não tinha cama, só colchão (como eu ia transferir com a tábua, aprendizado recente???), o banheiro tinha a porta estreita e eu não entrava com a cadeira, e pra finalizar, não era ducha. Era banheira. Ahhhhh!!!

Juro que me deu vontade de chorar e ligar pra minha mãe. Como até ela chegar na Grécia, eu já teria morrido, o jeito foi enfrentar. Pior: eu era uma jovenzinha, e comigo lá, outros tão jovenzinhos me olhando com aquela cara: "que m****! o que você vai fazer, Carla???". Sinceramente, eu não tinha ideia. E a minha cuidadora (Nete, comigo até hoje) era uma magrela de 22 anos, com cara de 16) Como não queria desesperar todo mundo, fingi que estava tudo sob controle. hehe... Tudo "fake". Lembrei que meu irmão me disse antes da viagem: se tiver um problema, fique feliz. Todo problema tem solução. Não era doença nem morte, então tinha jeito. E aí vieram aprendizados para sempre. Até hoje sigo alguns desses aprendizados. E são as primeiras dicas para quem quer virar viajante:
Prof. Aylê, e Danilo. Eles e outros me carregavam nessas escadas

Malas: Nunca, nunca, nunca coloque coisas essenciais na mala despachada. Até hoje, todos remédios e material de cateterismo para três dias vão na minha mala de mão. Confira o número de malas com o de tíquetes de bagagens que recebe no check in porque se alguma faltar, é o único documento que comprova que vc tinha uma mala. Importante fazer a ocorrência de extravio da mala, antes de sair do setor de desembarque. Solução: Colegas pegaram metrô e foram até o aeroporto, que era super longe, atrás das malas. Elas só chegaram no dia seguinte. Ufa! Grata. Até lá, fiquei sem remédio e lavando e reaproveitando material de cate. Sufoco pra nunca mais!

Ilha Grega Míconos e o Mar Egeu
Elevador: Retirei os pedais da cadeira, e assim, cabia apertadinha no elevador. Quase morri um dia porque a cadeira rodou um pouco, prendeu na porta e o elevador foi arrastando a roda da minha cadeira. Sorte que a Nete conseguiu levanta-la e desencaixa-la da porta. Sobrevivi. Freios pra que te quero!

Cara de pau: Quem precisa de ajuda tem que ter coragem de pedir. O máximo que pode acontecer é receber um não. O que, convenhamos, você já tinha antes mesmo de pedir a ajuda. Então o que vier é lucro. Só falavam em grego e francês no colégio. Conversei (com um francês capenga e dicionário na mão) com um dos diretores, que me arranjou uma cama. Independência! Se ficasse no colchão ia quebrar a coluna da minha cuidadora ou depender dos outros todos os dias. Nem...

Bacia: Uma bacia resolveu o problema da porta estreita do banheiro. Serviu para escovar os dentes e lavar o rosto, fora dele. Comprei uma baratinha. 

Sair do óbvio: A cadeira de banho é menor e entrava no banheiro, mas não na banheira, óbvio. Aí o jeito era improvisar. Encostei ela perto de um ralo e tomei banho de chuveirinho. Acho que a banheira tinha. Memória tá ruim... Bom, se no foi de chuveirinho, foi de bacia, eu devia encher a bacia com água e me jogar. kkkkk não lembro. :)
Galera do projeto. Todos estudantes universitários. Meu carinho eterno S2!!
Depois dessa viagem fiquei pronta para quase tudo que viria pela frente. Carla Maia antes de Atenas, e depois de Atenas. Até ousei viajar com a galera para uma Ilha Grega no final (Míconos). Maravilha! Meus eternos agradecimentos a essa galerinha do projeto Atenas, que sem saber, me ajudaram a ser mais adulta e livre novamente. Todos excelentes jornalistas hoje. Inclusive eu. rsrs... ;-)

2 comentários:

  1. Adorei! por favor, conte como faz o cate sentada e como transfere para cadeira de banho! Boas viagens e parabéns pelo blog!

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